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Goiânia, 29/05/24
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Eduardo Cunha sobre Mabel no impeachment: "o ex-deputado Sandro Mabel estava tentando negociar apoios, mas às vezes atropelava. Nada contra a participação dele, mas temia uma atuação descoordenada"

Leia todas as citações: Mabel é mencionado 27 vezes no livro de Eduardo Cunha: de adversário a amigo

27/04/2021, às 16:55 · Por Eduardo Horacio

Veja, na matéria a seguir, na íntegra, todos os trechos em que Sandro Mabel, peça-chave no impeachment de Dilma, é citado no livro "Tchau, Querida: O Diário do Impeachment” (Matrix, 808 páginas), do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha. No início, adversário na disputa pela liderança do PMDB em 2013 e, depois, aliado de Cunha (mas sem deixar de ter atritos). 

Eduardo Cunha x Mabel em 2013
Em um dos trechos, Eduardo Cunha revela a disputa com Sandro Mabel pela liderança do então PMDB na Câmara dos Deputados, no início de 2013:

“A campanha pela liderança correu em paralelo à de Henrique Alves à presidência, já que uma escolha foi marcada para a véspera da outra. Isso dificultava a articulação de Henrique Alves e Michel Temer contra mim.

Para neutralizar Temer, obtive o apoio de Geddel Vieira Lima e de Moreira Franco, que assumiram a linha de frente da campanha e, com isso, passaram a limitar a ação do vice-presidente. Para isso, assumi um compromisso com Moreira Franco – uma vez líder, apoiaria a pretensão dele de ocupar um ministério, já que estava em uma secretaria sem nenhuma função, a de Assuntos Estratégicos.

Como a eleição teria três candidatos, poderia ir para o segundo turno. Combinamos as regras entre nós: venceria o que tivesse a maioria absoluta da bancada em primeiro ou segundo turno. Passamos o mês de janeiro de 2013 em campanha. Moreira Franco e Geddel trabalharam para neutralizar a pressão que Dilma fazia em Temer, a fim de evitar a minha eleição.

A presidente também foi pressionar Sérgio Cabral para que não me apoiasse. Ela fazia de tudo para evitar minha eleição, inclusive colocando o governo para sinalizar que com meu concorrente, Sandro Mabel, os deputados seriam mais facilmente atendidos.

Além de Dilma, Renan Calheiros também entrou contra mim. Seu filho, o então deputado e atual governador de Alagoas, Renan Filho, acabou apoiando Sandro Mabel. José Sarney também, com a bancada do Maranhão.

Consegui ajuda de outros partidos. Os deputados João Carlos Bacelar, do PR da Bahia, e Lázaro Botelho, do PP de Tocantins, se licenciaram do mandato por quatro meses – sem vencimentos –, para que assumissem suplentes do PMDB que tinham sido coligados desses partidos na eleição de 2010.

Assumiram, então, Marcelo Guimarães, ligado a Geddel, e Leomar Quintanilha, ligado ao deputado Júnior Coimbra, meu apoiador. Conquistei dois votos a mais e elevamos a bancada dos aptos a votar de 79 para 81 deputados.

Enfrentei todos, inclusive aqueles que eram os meus principais parceiros políticos naquele momento, Michel Temer e Henrique Alves. Venci a eleição. Tive 40 votos no primeiro turno, contra 26 de Sandro Mabel e 13 de Osmar Terra, além de uma abstenção, a de Henrique Alves. Nem deveria ter tido segundo turno, já que tive mais votos do que a soma dos outros dois candidatos.

Como Sandro Mabel exigiu o segundo turno, concordei. Não queria atritar mais a bancada. Aí foram 46 votos para mim contra 32 de Sandro Mabel, com duas abstenções, mesmo com Osmar Terra declarando apoio a Sandro Mabel.

A vitória foi contundente e deixou sequelas na eleição de Henrique Alves no dia seguinte. Ele se elegeu presidente da Câmara, mas com menos votos do que o esperado – a candidatura alternativa do PMDB, da então deputada Rose de Freitas, acabou amealhando os votos de uma parte da bancada do partido, insatisfeita com a omissão de Henrique Alves na minha campanha.

Inconformado com a derrota, Sandro Mabel entrou com um mandado de segurança no STF, visando a anular a eleição. Seu gesto, desesperado, irritou a todos, de Michel Temer aos deputados que o apoiaram. A iniciativa não teve sucesso e ele amargaria um longo período isolado na bancada. Com o tempo, recuperei a relação com ele – que acabou virando um apoiador da minha liderança.

Assim, em 4 de fevereiro de 2013, Henrique Alves foi eleito presidente da Câmara e Renan Calheiros conseguiu voltar à presidência do Senado, com o mandato de ambos até 31 de janeiro de 2015.”

Mabel entre Dilma e Eduardo Cunha
Neste trecho, pós-eleição presidencial de 2014, em que Dilma Rousseff foi reeleita, Eduardo Cunha já tratava de sua candidatura à presidente da Câmara dos Deputados. O principal interlocutor de Eduardo Cunha com Dilma era Sandro Mabel:

“Fechei apoio com um bloco do PTN, comandado pela deputada Renata Abreu, em uma viagem a São Paulo às escondidas, indo à sua casa diretamente para isso e convencendo-a a mudar de posição.

O Solidariedade, que estava em um bloco de oposição para o mandato todo, saiu e preferiu ficar diretamente no nosso bloco. A pressão do governo obrigou o PSD a compor o bloco do PT, mas boa parte da bancada votava em mim.

Gilberto Kassab estava no projeto de registrar o novo PL. Com a ajuda do governo, iria filiar deputados de outros partidos, inclusive do PMDB, nessa nova legenda. Dilma também havia retirado o Ministério das Cidades do PP e dado a Kassab, que estava com uma forte máquina política. Ele tinha de tentar seguir o governo – mas não controlava a bancada toda, que depositou boa parte dos votos em mim.

A pressão estava também em retirar o PRB do meu bloco. Pressionaram o ministro dos Esportes, nomeado pelo partido, com ameaças que me foram relatadas pelo presidente da legenda, Marcos Pereira, que se manteve firme e honrou até o fim o compromisso assumido comigo.

A reta final da campanha, feita toda em Brasília, trazia a briga pelo apoio do PP e do PR, que ainda não tinham anunciado sua posição oficialmente, sendo que com o PP já estava acertado o apoio. Somente me pediram que deixasse a decisão para a véspera da eleição, para não estar sujeito à pressão do governo.

Quanto ao PR, a maioria dos votos era certa, pois estava tudo combinado fazia bastante tempo – o líder do partido, Bernardo Santana, que não tinha disputado a eleição, era o secretário de Segurança de Minas Gerais, sofria pressão do então governador Fernando Pimentel e chegou a colocar o seu cargo à disposição.

Também contava com o apoio do principal comandante do partido, Valdemar Costa Neto, que já havia assumido compromisso comigo. Mas o governo pressionava o PR a participar do bloco do PT – e Valdemar tomou a posição de ceder na formação do bloco, mas liberar os votos para mim. Isso foi o que ocorreu. No fim, tive do PR ao menos 24dos 34 votos.

Na sexta, dia 30 de janeiro, Michel Temer me telefonou. Disse que o governo queria fazer o acordo de novo. Insistiu que eu aceitasse o rodízio, ficando com o primeiro biênio, e o PT com o segundo.

O deputado Sandro Mabel foi chamado ao palácio e voltou com a mesma proposta, com uma lista por escrito dos termos do acordo, que incluiria, de novo, a reunião com todos os líderes da base para referendarem o trato de forma pública.

Repeti a mesma resposta de antes, quando houve essa proposta: que aceitaria o acordo de retirada de Chinaglia e o PT ficaria com a primeira vice-presidência. Comprometia-me a garantir que o PMDB não lançaria candidato à minha sucessão e que, depois, eles que se viabilizassem. Mas não iria me desmoralizar firmando uma aliança com o PT em cima da hora, sendo isso o contrário do discurso de toda a campanha.

Embora soubesse que esse acordo, naquele momento, garantiria a eleição e que, na véspera da eleição, não daria tempo para nenhuma outra candidatura se viabilizar no vácuo da incoerência do meu discurso com uma união com o PT, não quis aceitar para não ter, junto com a vitória eleitoral, uma derrota política. Porque eu teria batido no PT e feito um acordo para a minha conveniência pessoal. Isso iria tirar minha credibilidade na presidência. Eu me tornaria um presidente fraco, como haviam sido os anteriores com relação ao governo.”

Mabel pressiona Eduardo Cunha pelo impeachment
Em 2015, primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff (PT), Eduardo Cunha revela em sua autobiografia que Sandro Mabel, Rodrigo Maia e Paulinho da Força eram os que mais pressionavam pelo impeachment da presidente:

“Na quinta almocei com Temer, com a presença de Moreira Franco. Conversamos abertamente sobre o processo de impeachment. Temer começava a defender, para mim, o impeachment.

Ele seguia arredio, nesse momento, a avançar de forma mais contundente. Tinha receio dos boatos de que o governo, por meio de Rodrigo Janot, estivesse tentando colocar seu nome nas delações premiadas – para inviabilizá-lo como substituto de Dilma. Temer sabia como ninguém do que eles eram capazes.E estava ouvindo dizer que a delação de Fernando Baiano poderia atingi-lo – embora Temer nem o conhecesse pessoalmente.

Discutimos a estratégia de elaborar uma questão de ordem para definir o rito do processo de impeachment, antecipando a briga judicial que certamente o PT poderia fazer. Temer concordou com essa iniciativa, a mesma que eu estava combinando com os líderes da oposição.

Foi Temer quem primeiro me falou sobre o estratagema de rejeitar o pedido de abertura de impeachment e, depois, diante de recurso, submeter ao plenário. Foi o que ele fez quando era presidente da Câmara e precisou lidar com o pedido de impeachment feito pelo PT contra o então presidente Fernando Henrique Cardoso. Pesquisei tudo o que se referia a isso para sustentar uma posição idêntica à usada por ele.

Paralelamente, os deputados Paulinho da Força e Rodrigo Maia, além do ex-deputado Sandro Mabel, que tinham bastante trânsito com os deputados, com Temer e comigo, estavam me pressionando para que aceitasse o pedido de abertura do processo de impeachment, diferentemente do proposto pela oposição na frente deles.

Eles achavam que eu não deveria ter dúvidas e aceitar imediatamente o pedido, tentando articular diretamente com Temer, para que ele também me pressionasse a essa decisão.

Paulinho chegou a me procurar em nome de Temer, me perguntando o que eu desejava para aceitar o pedido de abertura do processo. Ele ofereceu inclusive o ministério que eu quisesse no futuro governo, após a minha saída da presidência da Câmara – além de indicar imediatamente um nome para o ministério que eu escolhesse.

Eu respondi a Paulinho que seria óbvio que, se Temer assumisse o governo, eu teria influência. Talvez até pudesse, no futuro, vir a ser ministro – mas os termos da situação não iriam depender de nenhum acordo prévio, pois já estava favorável ao impeachment. Além, é claro, de eu já atuar para isso.” 

Mabel em diálogo com Temer pelo impeachment de Dilma
Novamente, Sandro Mabel tem papel importante no diálogo com o então vice-presidente Michel Temer e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha:

“Na quinta, declarei à imprensa que pode ter havido pedaladas, mas, para o impeachment, era necessário configurar a responsabilidade de Dilma nos atos. Sem isso, não se poderia, em tese, ter a aceitação do impeachment.

Janot vazou mais documentos, desta vez para o site da revista Veja. Mais um escândalo, mantendo a rotina. Além de vazar, escolhendo o órgão de imprensa, Janot costumava fazer isso sempre às quintas-feiras, para que repercutisse no fim de semana. Teori Zavascki determinou o bloqueio dos ativos das contas do trust, já bloqueados na Suíça – mais um desgaste na mídia.

Os grupos pró-impeachment acamparam em frente ao Congresso com a minha autorização. Algo que havia sido negado por Renan, o que obrigou os manifestantes a ficarem do lado da Câmara, no gramado do Congresso.

O deputado Paulinho da Força e o ex-deputado Sandro Mabel intensificaram os diálogos com Temer, intermediando apoios com vários personagens para aderirem ao impeachment. Eles tentaram costurar um acordo para que eu aceitasse a abertura do processo. Voltaram com a história de me propor cargos no futuro governo Michel Temer. Paulinho disse para eu escolher o ministério que desejaria ocupar, quando saísse da presidência da Câmara. Eu descartava. Repetia que, se fosse o caso, trataria direto com Temer.

Naquele momento, o vice-presidente já assumia uma posição pró-articulação do impeachment, recebendo grupos de deputados para conversas e articulando com a oposição para cooptar votos. Paulinho e Sandro, além de Rodrigo Maia, eram os que mais me pressionavam para aceitar o pedido de impeachment, em uma marcação cerrada sobre mim. A pressão deles era insuportável. Eu respondia que era natural que interferisse em um governo de Temer, podendo eventualmente compor o governo após o fim do meu mandato na Câmara. Não precisava de acordo prévio para isso. Não seria a possibilidade de um cargo que me faria aceitar o impeachment.” 

Mabel e a cassação de Eduardo Cunha
Neste trecho, Eduardo Cunha revela o papel de Sandro Mabel, que tentou ajudá-lo a não ser cassado no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados:

“O governo e Jaques Wagner começaram a usar a influência que tinham sobre o presidente do Conselho de Ética da Câmara, José Carlos Araújo. Ele era deputado do estado de Wagner e dependente da máquina governamental na sua eleição. Estavam inclusive nomeando cargos federais, atendendo a Araújo. O objetivo era usar essa influência para me pressionar a não aceitar o pedido de impeachment.

Na noite dessa quarta-feira fui ao aniversário do deputado Guilherme Mussi, onde encontrei vários parlamentares, inclusive Fausto Pinato, membro do Conselho de Ética, que poderia ser o escolhido para relatar meu processo de cassação.

Pinato me abordou dizendo que eu poderia ficar tranquilo. Se ele fosse o relator resolveria rapidamente o assunto, para que eu não me desgastasse. Estava preocupado pelo fato de ele ser deputado de primeiro mandato, sem muita experiência – e alguém que eu pouco conhecia, embora tivesse me apoiado na eleição da presidência da Câmara.

Com a conversa, me senti mais tranquilo, já que a disposição dele era arquivar tudo de imediato.

O presidente do Conselho de Ética havia chamado o ex-deputado Sandro Mabel para negociar a relatoria comigo, me pedindo R$ 3 milhões para o financiamento da sua campanha de reeleição mais o apoio para a vaga na mesa do partido dele, na eleição seguinte, em 2017. Respondi a Sandro que dinheiro não daria nem tinha para dar, mandando enrolá-lo, falando que, na época da eleição, pediria a empresários que o ajudassem. Mas ele poderia contar com meu apoio para a vaga da mesa do partido dele na eleição seguinte. Com isso, se dispôs a escolher o relator que eu quisesse entre os possíveis pelo regimento. Ele faria um sorteio, sairiam três nomes e, dos três, ele escolheria quem quisesse.

Combinamos os três que sairiam do sorteio. Saiu um do PT, o deputado Zé Geraldo, um do PR, o deputado Vinícius Gurgel, e Fausto Pinato, do PRB. Ao fim, ele diria que não escolheria do PT, por ser meu desafeto; não escolheria Gurgel, por ser muito ligado a mim; restando Fausto Pinato, o que acabou ocorrendo.

José Carlos Araújo era experiente no conselho. Sandro Mabel, que tinha se livrado no passado de um processo de cassação, conhecia o caminho das pedras. Araújo manipulava o sorteio, fraudava, seja com bolas de pesos diferentes ou papéis de texturas diferentes. Sempre saía quem ele queria e negociava.

Era rotina ter negócios no Conselho de Ética. Mas como se tratava do presidente da Câmara, eles achavam que o céu era o limite para suas demandas, tentando se aproveitar da situação.

É bom registrar que todos os que no final votaram a meu favor no conselho o fizeram sem ter tido qualquer vantagem. Todos os votos foram ou por orientação partidária, ou por convicção, ou ainda por terem relações políticas comigo. O problema nunca esteve nos que votaram em mim ao fim, mas sim nos que votaram contrariamente. Como acabei não acertando nada com ninguém, fui derrotado.

Dessa forma combinada, José Carlos Araújo cumpriu a escolha do relator. Mas, como viu a forte repercussão do meu assunto, pretendia ficar na mídia e não aceitava terminar em arquivamento sumário, querendo levar o processo adiante.

Além disso, como não tinha sido votada no Senado a PEC do financiamento privado das eleições, ele sabia que não haveria empresários que pudessem financiar a sua campanha a meu pedido. Logo, sua opção era obter vantagens do governo e notoriedade na mídia. Ele iria atuar contra mim todo o tempo.

O relator escolhido, Fausto Pinato, por sua vez, foi pressionado pelo líder do seu partido, o PRB, deputado Celso Russomanno. Ele não queria que fosse arquivado de pronto o meu processo, para que não atrapalhasse sua eterna pretensão de ser prefeito de São Paulo. Ele achava que o voto favorável a mim, de um integrante do seu partido, poderia prejudicá-lo.

Mesmo assim, Fausto Pinato estava disposto a arquivar, segundo o que me trazia o deputado André Moura, que se tornou o meu interlocutor com ele. Só que, oportunista, pediu, por intermédio de Moura, R$ 5 milhões. Isso me revoltou. E me levou, além de negar o pagamento – até porque não tinha esse dinheiro –, a enfrentá-lo de público”.

(...)

“Na terça, dia 3, foi instaurado o processo contra mim no Conselho de Ética – decorrente da representação do PSOL e da Rede, feita pelos meus desafetos. Cumprindo o combinado inicial com Sandro Mabel, o presidente do conselho, José Carlos Araújo “sorteou” três nomes para a relatoria – exatamente os previamente acertados: José Geraldo, do PT, Vinícius Gurgel, do PR, e Fausto Pinato, do PRB.

No dia seguinte, o pai do líder Leonardo Picciani, Jorge Picciani, foi para Brasília. O pretexto era comparecer a um almoço na casa do deputado Fábio Ramalho, pelo aniversário de seu filho.

Só que sua movimentação foi além disso. Ele esteve com Dilma e procurou outros líderes partidários, inclusive o ex-deputado Waldemar Costa Neto, o maior líder do PR. Costurava apoios para que o filho assumisse meu lugar na presidência da Câmara.”

Mabel e Padilha no entorno de Temer
Neste trecho, Eduardo Cunha revela que Sandro Mabel e Eliseu Padilha eram os dois homens de confiança de Michel Temer, então vice-presidente:


“O grupo pró-impeachment já estava instalado e atuando de forma conjunta. Era então coordenado por André Moura e composto por Paulinho da Força, Arthur Maia, Rodrigo Maia, Mendonça Filho, Lúcio Vieira Lima, Darcísio Perondi, Carlos Marun, Carlos Sampaio, Bruno Araújo, Maurício Quintella, Marcelo Squassoni e Fernando Coelho. A partir daquele momento mantivemos Rogério Rosso e Jovair Arantes afastados, para não contaminar a atuação deles na comissão especial.

No entorno de Temer, além de Eliseu Padilha, Sandro Mabel se juntava ao grupo. Em seguida se juntaria o senador Romero Jucá, que iria assumir a presidência do partido. Temer, inclusive, não iria participar da reunião do diretório nacional do dia 29, encarregando Jucá de conduzir a decisão de rompimento com o governo.

A Polícia Federal vazou uma planilha encontrada na casa de um ex-executivo da Odebrecht, na mesma operação que havia prendido o marqueteiro João Santana. Nela estavam citados 316 políticos de todos os partidos, supostamente beneficiados. Não ficou claro se eram de doações oficiais de campanha ou de caixa 2.

O vazamento foi muito estranho, no momento em que Dilma sofria com acusações de caixa 2 de campanha. Isso depois que o novo ministro da Justiça havia ameaçado trocar toda a equipe de investigação caso houvesse vazamento. Eugênio Aragão tinha declarado que “tomaria providências se a Polícia Federal não tivesse tido um comportamento profissional”. Não se teve conhecimento de nenhuma providência ou punição.

Essa divulgação incomodou até Sergio Moro. Ele imediatamente determinou o sigilo da operação. Ele sabia que esse vazamento era bom para o PT. Oito dos citados eram membros da Comissão Especial do Impeachment. Também havia o fato de o ministro Teori Zavascki ter dado um verdadeiro pito em Moro pela divulgação das gravações de Lula. Moro não ia querer um novo entrevero por essa divulgação, que aparentemente não era sua culpa.”

Mabel negociando apoios ao impeachment
Neste trecho, Eduardo Cunha revela que Sandro Mabel negociava apoios ao impeachment de Dilma, mas Cunha estava preocupado com isso:

“Temer me disse que estava conversando com Gilberto Kassab, presidente do partido e ministro das Cidades de Dilma. Ele achava que ali já estava bem encaminhado, para que ele permanecesse no ministério em troca de apoiar o impeachment. Disse também que o ex-deputado Sandro Mabel estava tentando negociar apoios, mas às vezes atropelava. Nada contra a participação dele, mas temia uma atuação descoordenada, que levasse a um aumento do custo da operação. Temer combinou que me informaria acerca de tudo que fosse tratado com Sandro.

Lembrei a ele a máxima de Ciro Nogueira, de que não se tira presidente, mas se coloca presidente. Dessa forma, era uma eleição indireta. Dilma iria oferecer tudo que pudesse para não perder. Só teríamos chances se fôssemos opção a eles. Em vez de participar de um governo em decomposição, todos iriam preferir participar de um governo de salvação.

Àquela altura, Temer já estava conversando individualmente com vários deputados e diretamente assumindo compromissos. Isso iria aumentar nospróximos dias.

Terminamos a conversa com os ponteiros acertados. Não precisaríamos mais debater o impeachment. Estava dado o passo definitivo de Temer para que o impeachment não tivesse mais retorno. Ele já havia feito sua escolha.

Descemos juntos no elevador. Dentro dele, em um monitor de TV, notícias da investigação da minha mulher ter sido enviada para o chefe da Operação Lava Jato. Eu o alerto sobre a notícia. Ele franze a testa sem falar nada, em razão da presença dos seguranças.”

Mabel aliado de Kassab
Neste trecho, Eduardo Cunha revela que Sandro Mabel era aliado de Gilberto Kassab e queria mantê-lo no Ministério das Cidades:

“Moreira Franco defendia dar o Ministério das Cidades para Aécio indicar. Ocorre que Sandro Mabel estava aliado a Kassab, que queria manter o ministério. Era uma luta forte de bastidores. Temer também, a essa altura, iria se decidir por Alexandre de Moraes para a Justiça, para sinalizar a nomeação de um secretário de Alckmin.”

(...)

“Os trabalhos da comissão especial do Senado avançavam bem. A previsão era de que, na sexta, dia 6, se votasse na comissão e, no dia 11, ocorresse a votação final no plenário do Senado – que definiria o afastamento de Dilma da Presidência.

Após a sessão da Câmara, fui para o Palácio do Jaburu. Na entrada, me deparei com Gilberto Kassab e um grupo de deputados do PSD saindo. Kassab me explicou, rapidamente, que Temer havia oferecido o Ministério das Comunicações e que ele preferia continuar nas Cidades. Ele me pedia ajuda. Respondi que iria falar com Temer e, depois, o chamaria para conversar.

No Jaburu, estavam Eliseu Padilha, Moreira Franco, Geddel Vieira Lima, Henrique Alves e Sandro Mabel. Na conversa, Mabel atravessou o samba e forçou o descumprimento de alguns compromissos. Discuti fortemente, saí do grupo e resolvi me dirigir para a saída do palácio, quase indicando um rompimento.

Temer foi atrás de mim, impediu minha saída e me levou para o seu escritório, onde conversamos a sós. Ele contornou a confusão, mas havia ali claramente uma tentativa daquele grupo de passar por cima dos acordos para a votação do impeachment, o que eu não aceitaria. A alegação era que o Senado estava exigindo “as calças dele”, pois senão, não haveria impeachment.

Por óbvio eu sabia que isso era verdadeiro – mas existiam formas de atender sem quebrar os acordos. Com minha insurgência, consegui restabelecer esses acordos que estavam para ser quebrados, embora ainda faltasse administrar pequenos conflitos. Isso seria mais fácil se o objetivo fosse o de atender. Recompor situações sempre é melhor do que descumprir acordos.

Nós esbarramos em dois pontos, sobre o Solidariedade e o PSC – que, embora estivessem atendidos, não o estavam da forma combinada. Eu iria ajudar a convencê-los a aceitar. Relatei a Temer o que Kassab me dissera na saída. Temer me pediu que ajudasse com ele, para contornar o problema.

Ali havia uma divisão clara. Geddel e Moreira Franco estavam decididos a dar o Ministério das Cidades para o PSDB. Sandro Mabel dizia que resolveria com o PSDB e que se deveria manter Kassab nas Cidades. Estimulava-o a lutar pelo cargo.”

(...)

“Kassab me explicou os motivos de a bancada ter apoiado o impeachment. E agora perderia a posição para quem estava de fora. Ele achava injusto. Além disso, ao mesmo tempo que Kassab falava comigo, Mabel telefonava estimulando o confronto pelo cargo. Mabel chegou a ir à residência oficial para falar com Kassab em separado.


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