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Foto: Selfie de Komi
Que a foto nos lembre da urgência da vida. Que cada abraço atrasado, cada mensagem adiada, cada afeto engasgado se materialize antes que seja tarde
Coluna do Pablo Kossa: Quem não se emocionou com a foto da família indiana já morreu e não sabe
13/06/2025, às 14:40 · Por Pablo Kossa
Impossível não ficar emocionado ao ver a foto do casal com três crianças ao fundo. Sorrisos, cadeiras apertadas, mesinha da frente para baixo, alegria quase que palpável. Algo tão corriqueiro, algo tão ordinário. Um registro para mandar aos avós? Um storie para o Instagram? Só mais uma dos zilhões de fotos que deixamos em nossa galeria do celular? Não sei. O que todos sabemos é que foi o último registro fotográfico de uma família que teve a vida ceifada com a queda do avião. Que soco na boca do estômago.
Komi, que é médica na Índia, sorri com o celular na mão. Todos
sabemos que não é fácil enquadrar, fazer pose e tirar uma selfie. Ela se
esforça, tenta enquadrar o marido Pratik, engenheiro de software em Londres, e
pegar, ao fundo, as três crianças do casal. Elas meio que fazendo arte, meio
que com olhares curiosos e cheios de promessas. Aquela não era apenas uma
viagem.
O casal vivia há anos dividido entre dois continentes. Ela
no exercício da medicina em seu país natal, ele programando e ralando na
Inglaterra. Finalmente haviam conseguido alinhar as rotinas e viveriam
novamente como família unida, sob o mesmo teto na ilha do Rei.
Era um recomeço.
A tragédia não permitiu.
A queda do avião da Air India ceifou mais de duas centenas
de vida. Cada uma delas com seus recortes, nuances, sonhos, frustações. O
universo inteiro que só cabe na nossa individualidade. A foto registra esse
todo. Por isso que dói tanto vê-la. Conseguimos nos enxergar naquela família.
Os três filhos pequenos — Miraya, de oito anos, e os gêmeos
Nakul e Pradyut, de cinco — sonhavam com a nova escolinha inglesa? O que tinham
lanchado no aeroporto? Qual desenho assistiriam no trajeto?
Sabemos que cada dia pode ser nosso último desde a mais
tenra infância, quando compreendemos a finitude. Isso inclui o último zap
enviado, o último “eu te amo” verbalizado, o último compromisso agendado, o
último almoço realizado, a última selfie registrada. Temos consciência disso
tudo, é claro. Mas não é mole encarar quando a gente topa de fato o último
desses itens de qualquer pessoa.
Que a foto nos lembre da urgência da vida. Que cada abraço
atrasado, cada mensagem adiada, cada afeto engasgado se materialize antes que
seja tarde. Como aprendemos de forma brutal com cada morte, o amanhã não é
garantido.
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