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Goiânia, 01/07/25
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Foto: Selfie de Komi

Que a foto nos lembre da urgência da vida. Que cada abraço atrasado, cada mensagem adiada, cada afeto engasgado se materialize antes que seja tarde

Coluna do Pablo Kossa: Quem não se emocionou com a foto da família indiana já morreu e não sabe

13/06/2025, às 14:40 · Por Pablo Kossa

Impossível não ficar emocionado ao ver a foto do casal com três crianças ao fundo. Sorrisos, cadeiras apertadas, mesinha da frente para baixo, alegria quase que palpável. Algo tão corriqueiro, algo tão ordinário. Um registro para mandar aos avós? Um storie para o Instagram? Só mais uma dos zilhões de fotos que deixamos em nossa galeria do celular? Não sei. O que todos sabemos é que foi o último registro fotográfico de uma família que teve a vida ceifada com a queda do avião. Que soco na boca do estômago.

Komi, que é médica na Índia, sorri com o celular na mão. Todos sabemos que não é fácil enquadrar, fazer pose e tirar uma selfie. Ela se esforça, tenta enquadrar o marido Pratik, engenheiro de software em Londres, e pegar, ao fundo, as três crianças do casal. Elas meio que fazendo arte, meio que com olhares curiosos e cheios de promessas. Aquela não era apenas uma viagem.

O casal vivia há anos dividido entre dois continentes. Ela no exercício da medicina em seu país natal, ele programando e ralando na Inglaterra. Finalmente haviam conseguido alinhar as rotinas e viveriam novamente como família unida, sob o mesmo teto na ilha do Rei.

Era um recomeço.

A tragédia não permitiu.

A queda do avião da Air India ceifou mais de duas centenas de vida. Cada uma delas com seus recortes, nuances, sonhos, frustações. O universo inteiro que só cabe na nossa individualidade. A foto registra esse todo. Por isso que dói tanto vê-la. Conseguimos nos enxergar naquela família.

Os três filhos pequenos — Miraya, de oito anos, e os gêmeos Nakul e Pradyut, de cinco — sonhavam com a nova escolinha inglesa? O que tinham lanchado no aeroporto? Qual desenho assistiriam no trajeto?

Sabemos que cada dia pode ser nosso último desde a mais tenra infância, quando compreendemos a finitude. Isso inclui o último zap enviado, o último “eu te amo” verbalizado, o último compromisso agendado, o último almoço realizado, a última selfie registrada. Temos consciência disso tudo, é claro. Mas não é mole encarar quando a gente topa de fato o último desses itens de qualquer pessoa.

Que a foto nos lembre da urgência da vida. Que cada abraço atrasado, cada mensagem adiada, cada afeto engasgado se materialize antes que seja tarde. Como aprendemos de forma brutal com cada morte, o amanhã não é garantido.


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