Poder Goiás
Goiânia, 29/05/24
Matérias
Paulo José

Mauro Borges, em entrevista a Eduardo Horacio em 2003: Mauro seria deposto em 26 de novembro de 1964, numa derrota da ala "legalista" do golpe

60 anos do Golpe Militar de 1964: curiosidades e bastidores de Goiás que você não conhecia

01/04/2024, às 13:22 · Por Eduardo Horacio

Na madrugada de 31 de março para 1º de abril de 1964, o Brasil vivenciou um golpe militar, parecido com outros que se espalhavam pela América Latina, e que daria início a uma ditadura que perduraria por 21 longos anos, até a eleição indireta do civil Tancredo Neves em 1985.

Embora o golpe tenha silenciado o Congresso Nacional e outras casas legislativas, a Assembleia Legislativa de Goiás resistiu, ao menos inicialmente. A Casa não foi fechada, mas ficou paralisada, sem aprovar nenhum projeto por mais de um mês.

A paralisia só quebrada em 11 de maio, quando um projeto de autoria do então governador Mauro Borges foi votado e aprovado. A Lei Estadual nº 5128/64 alterava regras de pagamento no Judiciário, demonstrando que, mesmo sob a sombra da ditadura, a Alego ainda exercia algumas funções.

O regime militar impôs censura e repressão, restringindo as atividades e a liberdade de expressão dos parlamentares e de toda a sociedade civil. A aprovação do projeto de Mauro Borges, embora represente uma brecha na narrativa da paralisia, nem de longe significava um retorno à normalidade.

Seis anos após o fim da ditadura, a professora de sociologia da UFG, Dalva Maria Borges, defendeu em 1991 uma dissertação intitulada “1964 em Goiás – o ovo da serpente: militares e proprietários de terras na gestação da ditadura”, sendo considerado até hoje a mais importante pesquisa sobre o golpe de 1964 em Goiás. Um resumo da dissertação consta do livro Goiás: sociedade e Estado, publicado pela Editora Cânone em 2009.

Segundo a dissertação de Dalva, a cassação de Mauro Borges foi resultado de uma conspiração oposicionista articulada por uma aliança entre proprietários da terra em Goiás e oficiais de linha-dura que disputavam o poder central com o grupo liderado por Castelo Branco.

“O golpe de 1964 configurou-se como uma solução militar para a crise de hegemonia que se instalara no Estado brasileiro desde o final dos anos 50. O insucesso das quarteladas de 1954 e de 1961 convenceu o núcleo militar que provocou aquelas ações da necessidade de catalisar forças civis e militares de apoio à derrubada do governo”, escreve Dalva. “Na tarefa de conquista do Estado impunha-se a necessidade de atrair outras forças sociais, ampliando a coalizão que apoiaria o golpe. Além da classe média, setores empresariais tradicionais, urbanos e rurais, foram igualmente atraídos pelo núcleo golpista”, anota ela.

Os livros de história mostram que a queda de Mauro Borges foi construída, lentamente, de maio até novembro de 1964. Mauro, inclusive, foi inicialmente a favor do golpe de 1964. “O ritmo acelerado que tomam os acontecimentos impede uma articulação maior e mais efetiva, e cada governador (inclusive vários que seriam cassados pela ditadura) sai com manifesto próprio”, escreve Dalva.

Às 23h30 do dia 31 de março, Mauro Borges lança o seu manifesto. O Manifesto à Nação, lançado por Mauro, trouxe elementos que indicavam seu apoio ao golpe militar, ao condenar o “posicionamento assumido por João Goulart, [...] quando vemos a posição inconcebível do presidente [...] desprestigiando os seus mais graduados íntimos colaboradores, no caso o ex-ministro da Marinha, fugindo aos seus deveres de comandante forte e justo das Forças Armadas para agradar o grupo comunista subversivo, devemos ter fundadas razões para por em dúvida a sua lealdade ao regime e aos seus subordinados que, também como ele fizeram sagrados juramentos de fidelidade à Constituição brasileira”. Na oportunidade, Mauro atacava a possível continuidade do presidente João Goulart, assim como a instalação de um ‘governo comunista’ no Brasil, conforme propalado: “[...] será a solução destruir o regime democrático e levantar a bandeira da República Popular do Brasil? [...] afirmo que não [...] precisamos de um governo com autoridade, forte [...]. É preciso que não se permita ao Presidente João Goulart o uso das ditas reformas para seu continuísmo [...] aspiramos e lutaremos por um governo social economicamente justo, calcado em princípios cristãos. Queremos as reformas dentro da lei, queremos governo que ao lado da iniciativa privada, socialmente justa, e com um planejamento global, dinamize todas as potencialidades de trabalho e riqueza, para que aumente a produção e distribua com equidade os seus frutos”.

Com esses argumentos, Mauro deu seu apoio ao golpe militar. E foi além. O jornal O Popular de 11 de abril de 1964 noticiou que Mauro Borges assumiu, em Goiás, a direção das “Forças Revolucionárias”, movimento que defendia quem fosse a favor do regime militar. Isso contrariou a UDN goiana, mas Mauro tinha o apoio de Castelo Branco.

Os setores legalistas (liderados inicialmente por Castelo Branco) foram, no entanto, perdendo força para a os setores de “linha dura”, o que desembocaria na cassação de Mauro Borges pela mesma ditadura que ele apoiara num primeiro momento. Tudo foi acontecendo gradualmente. Primeiro, em maio de 1964, mandaram para Goiás o coronel Danilo Darcy de Sá Mello para comandar o 10° Batalhão de Caçadores (BC), que fez os chamados Inquéritos Policiais Militares (IPMs) para indiciamentos.

Mais de 100 integrantes que ocupavam cargos de confiança no governo Mauro Borges foram indiciados. Além disso, antes do golpe de 64, Mauro havia feito viagens à então União Soviética e à República Popular da China, sendo considerado de esquerda pelos setores mais conservadores das forças armadas.

Foram cassados os direitos políticos de três secretários estaduais de Goiás: o da Educação e Cultura, padre Rui Rodrigues da Silva; o do Interior e Justiça, Wilson da Paixão; e o da Administração, deputado Valteno Cunha Barbosa. Foi, então, instalado um Inquérito Policial-Militar (IPM) contra o próprio governador. Coronel Danilo de Sá foi mais explícito e chamou Mauro Borges de “comunista”, como registram os jornais da época, embora Mauro fosse militar e até tivesse apoiado o golpe militar e a eleição indireta do presidente Castelo Branco.

Atendendo pedidos de Mauro Borges, o presidente então substituiu Danilo de Sá pelo general Riograndino Kruel (que era diretor-geral do Departamento de Polícia Federal), irmão de Amauri Kruel, chefe do Gabinete Militar da Presidência da República. A “fritura”, no entanto, não cessou.

Para a ditadura, Goiás era de grande importância estratégica por cercar o Distrito Federal. Os militares tinham também a ajuda de “civis da UDN”, rivais políticos de Mauro Borges que queriam depor o PSD do poder em Goiás. Como parte da “fritura”, um pequeno furto de armas ocorrido em Anápolis foi considerado pelo regime militar “a prova cabal” de que contragolpe estava prestes a acontecer em Goiás.

Ainda respirando por aparelhos, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu um habeas corpus preventivo a Mauro Borges, impedindo sua queda. O STF ainda foi claro dizendo que Mauro deveria ser julgado pela Assembleia Legislativa de Goiás e não por um tribunal militar.

A queda de Mauro
Pressionado, o presidente Castelo Branco usou de uma artimanha jurídica, decretando intervenção em Goiás. Mauro seria deposto em 26 de novembro de 1964. O interventor foi o coronel Carlos de Meira Mattos. Passados os 45 dias, o presidente Castelo Branco apontou o marechal Emílio Ribas Júnior como o seu nome para governar o Estado, em eleição indireta na Alego.

Dalva anota que, no dia 7 de janeiro de 1965, em sessão extraordinária, a Alego declara a vacância do cargo de governador, mas também determina o arquivamento do processo contra Mauro Borges, apesar dos protestos da UDN, que lutava para que Mauro fosse processado criminalmente.

Ainda no dia 7, é eleito na Alego o marechal Ribas Júnior para o governo do Estado, com Almir Turisco (PSD) de vice. O deputado João Neto (PSD), que votou em branco, protestou: “quando chegarmos ao nosso município irão perguntar: que tal é o candidato? É gordo, é magro, é claro, é moreno? Não. Votamos porque à espada apontou lá e votamos”.

A eleição indireta apresenta o seguinte resultado:
Marechal Emílio Rodrigues Ribas Júnior - 32 votos
Mauro Borges - 2 votos
Deputado Benedito Vaz - 1 Voto
Voto Branco - 4 votos

Marechal Ribas procura então conciliar as duas forças políticas de Goiás através do preenchimento de cargos e das inúmeras visitas que faz ao interior do Estado. “O adesismo, traço característico da sociedade tradicional, nesse momento ultrapassa em Goiás esse limite, virando subserviência, adulação, principalmente por parte dos políticos da UDN”, aponta Dalva.

Ribas propõe a divisão dos cargos em três partes: um terço para UDN-PSP-PTB-PDC, um terço para o PSD e um terço de sua livre escolha, compondo a Secretaria do Governo, Secretaria do Interior e Justiça e Secretaria da Segurança Pública (fisco, polícia e justiça), “setores que sempre foram o tripé do controle do poder oligárquico em Goiás”, anota Dalva Borges.

“O marechal Ribas tem como tarefa promover a conciliação das facções políticas no Estado, e preservadas as eleições diretas para governador em 1965, eleger o candidato da UDN, assegurando o comando político às forças udenistas em Goiás e institucionalizando o regime originado no Golpe de Estado”, escreve Dalva em sua dissertação. “A hipótese aqui formulada é que as elites agrárias, agregadas ao movimento para a derrubada do governo João Goulart, articulam uma reação ao novo regime logo que as diretrizes do primeiro governo originado no golpe ameaçam os seus interesses imediatos. Como o espaço de atuação civil está restrito, encontram representação de classe no segmento militar denominado linha dura”, completa a socióloga.

“De maio de 1964 a janeiro de 1965, essa disputa pela hegemonia militar tem o Estado de Goiás como um dos seus cenários, tomando como pano de fundo a disputa partidária regional. O governador Mauro Borges, que conseguiu dispor, no início do governo, do apoio de Castelo Branco, vai sendo progressivamente acuado pelos oficiais de linha dura, responsáveis pelos IPMs e municiados pela UDN e por setores locais do PSD. Essa articulação político-militar tem como base de classe, em Goiás, os proprietários de terras, que se vinculavam, indistintamente, a esses dois partidos”, escreve Dalva.

A sucessão de Castelo Branco se faz nesse contexto de crise e a afirmação da candidatura do general Costa e Silva, contra a escolha do ESG, garante, durante algum tempo, a hegemonia da linha dura. “Empossado, Costa e Silva responde aos interesses das bases civis da linha dura, deixando de aplicar, por exemplo, o Estatuto da Terra. A concentração da propriedade permanece e os proprietários fundiários conservam sua parcela de poder, reafirmando a modernização conservadora no Brasil. Nas décadas seguintes, o grande capital monopolista acabaria por redefinir o papel da grande propriedade agrária em benefício de interesses financeiros e da agroindústria”, aponta a socióloga.s das bases civis da linha dura, deixando de aplicar, por exemplo, o Estatuto da Terra. A concentração da propriedade permanece e os proprietários fundiários conservam sua parcela de poder, reafirmando a modernização conservadora no Brasil. Nas décadas seguintes, o grande capital monopolista acabaria por redefinir o papel da grande propriedade agrária em benefício de interesses financeiros e da agroindústria”, aponta a socióloga.

Funcionamento da Alego
O último projeto aprovado pela Assembleia Legislativa antes da deposição de Mauro Borges havia sido votado 13 dias antes: a Lei Orçamentária Anual (Lei nº 5650/64), aprovada em 13 de novembro de 1964, mas publicada no Diário Oficial apenas 47 dias depois, já com Mauro deposto, em 31 de dezembro. 

No dia 30 de dezembro de 1964, já com o Executivo em intervenção, a Assembleia Legislativa aprovou a Lei Estadual nº 5.735, de 30 de dezembro de 1964, que “estabelece, em obediência ao artigo 42 da Constituição do Estado, normas para o processo de julgamento do governador do Estado, nos crimes de responsabilidade e define os casos de vacância”.

O marechal Emílio Ribas ficou um ano no cargo, até ser substituído por Otávio Lage (UDN). Em 3 de outubro de 1965, ainda em eleição direta pelo voto popular (a última para governador que a ditadura militar permitiria, até 1982), Otávio Lage (UDN) foi eleito governador, vencendo José Peixoto da Silveira, candidato do PSD, por uma margem estreita (50,58% contra 49,42%, uma diferença de apenas 4 mil votos).

Filho de Jales Machado de Siqueira, a vitória de Otávio Lage na disputa pelo Palácio das Esmeraldas recolocou a UDN no poder pela primeira vez em 18 anos. Antes dele, o último governador udenista havia sido Coimbra Bueno. Aliado da ditadura, Otávio Lage tomou posse em 1º de janeiro de 1966, governando até 15 de março de 1971.

Em Goiás, o candidato apoiado pelos militares venceu a eleição para governador. Mas, em decorrência da eleição de governadores considerados oposicionistas, em especial em Minas Gerais e Rio de Janeiro, o Governo Federal editou, em outubro de 1965, o Ato Institucional nº 2, que, entre outras determinações, extinguiu os 16 partidos políticos existentes.

Outro ato, relacionado ao AI-2, estabeleceu e tornou possível o funcionamento de apenas dois únicos partidos, criando um bipartidarismo artificial. A Aliança Renovadora Nacional (Arena) seria uma espécie de sucessora espiritual da UDN e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) seria a chamada “oposição consentida pela ditadura”, sendo sucessor espiritual do então PSD. O pluripartidarismo só voltaria em 1980 ao Brasil, já no quase fim da Ditadura Militar, e só seria testado nas urnas pela primeira vez em 1982.

Três grupamentos militares
Em sua dissertação, a professora Dalva aponta que, nos anos que antecedem o golpe, é possível identificar três grupamentos militares. “O primeiro composto de militares legalistas, que pensavam ser necessário conter o movimento sindical, mas dentro dos quadros do regime democrático. Preocupavam-se, fundamentalmente, com o rompimento da hierarquia e da disciplina militares. Episódios como os levantes dos sargentos e dos marinheiros faziam com que refluíssem do apoio ao governo João Goulart. O segundo grupo, o da Escola Superior de Guerra (ESG), é internacionalista, adepto da doutrina econômica liberal e constrói o projeto de derrubada do regime e de instalação de um novo tipo de Estado. Tem a pretensão de dar direção ao golpe e à implantação do Estado Autoritário inspirado na Doutrina de Segurança Nacional. Um terceiro grupo, o da chamada linha dura, é composto basicamente por oficiais da Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais (ESAO) e, como os outros dois, queria desarticular os mecanismos de pressão sindical. Diferenciando-se do grupo ESG, propunha expurgos mais radicais como cassações mais amplas e o estabelecimento de uma tutela militar sobre os civis”, aponta Dalva.

Na disputa pela direção do Estado, travada entre o grupo militar da ESG e os militares de linha dura, é que se inscreve o “caso de Goiás”. “Os traços da ditadura são esboçados nesse momento como na metáfora do cineasta Ingmar Bergman sobre o nazismo, no filme O ovo da serpente. Observando Goiás, no ano de 1964, é possível antecipar a conformação do regime militar nos anos posteriores. Assim, o ‘caso de Goiás’, como ficou conhecido na imprensa nacional, à época, importa menos pelo que tem de endógeno e mais por sua relevância como estratégia dos grupos militares na conquista da hegemonia no Estado”, destaca a socióloga. Interessam, nessa perspectiva, os acontecimentos que, registrados na região, têm relevância para o movimento nacional.

Os fatos ocorridos em Goiás que levaram à cassação de Mauro Borges se inserem na luta pela hegemonia militar no Estado e a intervenção em Goiás foi decisiva para afirmação da linha dura, o terceiro grupo, derrotando as intenções legalistas de Castelo Branco e antecipando a disputa pela sucessão presidencial. O objetivo era enfraquecer a hegemonia do grupo ESG.

Os fatos ocorridos em Goiás que levaram à cassação de Mauro Borges se inserem na luta pela hegemonia militar no Estado e a intervenção em Goiás foi decisiva para afirmação da linha dura, o terceiro grupo, derrotando as intenções legalistas de Castelo Branco e antecipando a disputa pela sucessão presidencial. O objetivo era enfraquecer a hegemonia do grupo ESG.

O Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) desenvolveu estudos sobre as diversas questões nacionais para a formulação de um planejamento estatal. O Ibad, o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipes) e o grupo militar da ESG se aliaram nos anos 60 para debater e alinhar questões nacionais para a formulação de um planejamento estatal. Segundo a pesquisadora Dalva Borges, “utilizou técnicas de propaganda para desestabilizar o governo João Goulart e preparou a opinião pública, basicamente a classe média, para a tomada do poder (pelos militares)”.

Heloísa Maria Gurgel Starling, no livro Os senhores das Gerais: os novos inconfidentes e o golpe de 1964, observa que o Ipes, estruturado em São Paulo e na Guanabara, como organização política da fração multinacional e associada, percebia a necessidade de estabelecer-se no nível nacional, fincando raízes em outros estados da federação.

“O Ibad se faz presente em Goiás desde 1962, financiando as candidaturas de Castro Costa e Anísio Roca do PSD, José Luiz Bittencourt, Hermano Vieira da Silva, Benedito Vaz, Emival Caiado da UDN e de Alfredo Nasser do PSP”, anota Dalva em sua pesquisa. Além de financiar os candidatos, fornecendo material impresso, o Ibad veiculava o programa “A Semana em Revista” na Rádio Difusora de Goiânia, dos padres redentoristas. A rádio era dirigida pelo Padre Nelson Antonino, um ativista político conservador, organizador da Liga Eleitoral Católica, que filtrou, em 1962, os nomes dos candidatos de diversos partidos aprovados e recomendados pela Igreja. “Outras entidades que veiculavam propagandas anticomunistas e exaltação dos valores ocidentais, sobretudo norte-americanos, eram o Centro Cultural Brasil-Estados Unidos, o Rotary Clube e o Lions Clube”, completa Dalva.

Depois disso, o chamado terceiro grupo, da linha dura, só cresceria de tamanho dentro da ditadura militar, só vindo a perder força no final dos anos 70, com as sucessivas crises econômicas.

No auge da fase mais aguda da ditadura, em 17 de outubro de 1969, com base no AI-5, o então prefeito de Goiânia, Iris Rezende, teve seu mandato cassado pela ditadura militar e teve seus direitos políticos suspensos por 10 anos. A eleição direta para governador em 1970 também seria cancelada.

Retorno gradual da democracia
No fim dos anos 70, com a anistia “ampla, geral e irrestrita”, vários exilados voltam ao Brasil e outros que ficaram voltam a ter seus direitos políticos. Em 1982, já com o pluripartidarismo (e o fim do bipartidarismo artificial) ocorre a primeira eleição direta para governador desde 1965 em todos os Estados, inclusive Goiás.

Em 1982, para tentar atrapalhar a oposição, o regime militar ainda inventou o voto vinculado, a sublegenda e a proibição de coligações partidárias. Vale lembrar também que Goiás e Tocantins ainda eram um Estado só (a separação só ocorreria em 1988).

Candidato de oposição à ditadura e com direitos políticos recuperados, Iris Rezende (PMDB) venceu a eleição para governador com 66,7% dos votos. Pelo PDS, representando a situação, ficou em segundo lugar Otávio Lage, com 32,5% dos votos. Athos Magno (PT) e Paulo César Timm (PDT) tiveram menos de 1% dos votos, cada um. Mauro Borges, pelo PMDB, seria eleito senador em 1982. Com a derrota da emenda das Diretas Já em 1984, o civil Tancredo Neves seria eleito, indiretamente, presidente do Brasil em 1985, pondo fim ao ciclo de militares no poder. Adoentado, Tancredo nem chegou a tomar posse e morreu em abril de 1985. José Sarney virou presidente. Em novembro de 1989, o Brasil finalmente voltaria a ter uma eleição direta para presidente, o que não ocorria desde outubro de 1960, e elegeria Fernando Collor (PRN). 

Revolução na gestão pública
Mauro Borges mudou a forma de gestão em Goiás entre 1961 e 1964, quando governou o Estado, depois de ter sido eleito em 1960. Foi o primeiro governador do Brasil a criar uma Secretaria do Planejamento, algo que hoje parece banal.

Entre os órgãos criados estão o Consórcio de Empresas de Rádio Difusão do Estado (Cerne, hoje ABC), Consórcio Rodoviário Intermunicipal (Crisa), a Organização de Saúde do Estado de Goiás (Osego), a Indústria Química do Estado de Goiás (Iquego), a Metais de Goiás (Metago), a Caixego (finanças), a Casego (armazenagem agrícola) e a Saneago (saneamento básico).

Em 1960, foi eleito governador do Estado de Goiás, tendo como lema de sua campanha “nacionalismo e desenvolvimento”, pautando sua campanha em reforma, planejamento e justiça social. Venceu obtendo cerca de 160 mil votos contra 130 mil votos de seu primo, José Ludovico de Almeida.

Em 1961, com a renúncia do então presidente Jânio Quadros, Mauro Borges assumiu protagonismo nacional. No dia 30 de agosto, Mauro Borges dirigiu um manifesto à nação, declarando-se totalmente favorável à posse do vice João Goulart, associando-se assim à resistência do governador Leonel Brizola no Rio Grande do Sul no que ficou conhecido como “Rede da Legalidade”.

Como já dito, no dia 26 de novembro de 1964, Castelo Branco destituiu Mauro Borges, nomeando interventor federal o coronel Carlos de Meira Matos. Além de destituir Mauro, a Ditadura Militar prendeu 102 auxiliares do ex-governador, sob a alegação de serem subversivos.

Cassado, Mauro voltaria a ter os direitos políticos no final dos anos 70. Foi eleito senador em 1982, perdeu a eleição para governador em 1986 e se elegeu deputado federal em 1990. Em outubro de 1994, Mauro Borges não disputou a reeleição e deixou a Câmara dos Deputados em janeiro de 1995, encerrando o ciclo da família Ludovico na política goiana. Morreu em março de 2013, vítima de pneumonia, aos 93 anos de idade.

Em 2020, no centenário do nascimento de Mauro, entrevistei por telefone o filho mais velho do ex-governador Mauro Borges, Ubiratan Estivallet Teixeira. Ubiratan tinha 18 quando seu pai foi deposto pela ditadura militar. “No dia da intervenção militar, o Maurinho (Mauro Borges Júnior) foi pro velório da minha bisavó (mãe de Gercina Borges) e eu recebi no Palácio das Esmeraldas os militares que depuseram meu pai do cargo de governador”, recorda. Ubiratan afirma que seu pai disse, na ocasião, que era imoral, mas legal, a deposição. “Nem era questão de resignação, era questão de contato com a realidade, ele já sabia que os militares não iriam deixá-lo no cargo”, afirmou.

Para Ubiratan, o maior legado de seu pai é o planejamento de tudo. “Ele se preparou para servir o Estado, ele se preparou bastante para ser governador, o planejamento, a forma inovadora de governar, é o maior legado dele”, afirma. “Houve uma mudança de hábitos no Estado, foi também Mauro Borges que, pela primeira vez, instituiu o concurso público em Goiás”, afirma Ubiratan, sempre ressaltando a preocupação meritocrática que Mauro tinha na relação com o servidor público. “Nesse Governo, eu acompanhava meu pai em tudo. Quando ele assume o cargo de governador, eu tinha 15 anos e na deposição eu tinha 18”, relembra.

Das empresas estatais e autarquias, a Suplan (Superintendência de Planejamento) foi a mais importante no Governo Mauro Borges, segundo Ubiratan, pois administrava o orçamento e cobrava com rigor o que estava no planejamento. Foi também no Governo Mauro Borges que se criou a primeira Escola Superior de Educação Física em Goiás (Esefego), assim como foi concluído o aeroporto Santa Genoveva, e se fez uma ampla reestruturação da Companhia Energética de Goiás (Celg).


Mauro Borges Cassação Golpe Militar Golpe de 64
P U B L I C I D A D E