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Divulgação“O João Luiz de Brito é o Katteca, o Katteca é o João Luiz de Brito”, já dizia o cartunista em 1999
Morre em Goiânia Britvs, o criador do Katteca; leia perfil com a história dele
08/04/2023, às 21:19 · Por Luís Cláudio Guedes (especial para o Poder Goiás)
O cartunista João Luiz Brito Oliveira, conhecido como Britvs
e criador do personagem “Katteca”, morreu na sexta-feira, 7, aos 71 anos, em
Goiânia. Uma das filhas dele, a professora Lorena Advíncula Brito, de 41 anos,
contou que o pai morreu por problemas cardíacos. A filha contou que o pai
passou mal na madrugada de sexta-feira, por volta de 4h da madrugada, e foi
levado ao Hospital Jardim América, onde já chegou inconsciente. Ele teve o
óbito confirmado às 17h do mesmo dia. A causa da morte foi apontada como choque
cardiogênico, que é uma falha no coração que pode levar a falência de múltiplos
órgãos e à morte. O corpo do cartunista foi sepultado no Parque Memorial de
Goiânia, neste sábado, 8, por volta das 15h.
O personagem Katteca, criado por Britvs, era um indiozinho
que estampava os quadrinhos do jornal O Popular, onde o cartunista trabalhou
até o início de 2020. Ele ficou conhecido pelo humor com que tratava assuntos
políticos e sociais do estado.
Abaixo, o leitor do Poder Goiás poderá ler um delicioso
perfil de Britvs escrito em 1999 pelo jornalista Luís Cláudio Guedes. Entre os
entrevistados para o perfil, o então editor Isanulfo Cordeiro, que morreu em
2018, vítima de um câncer.
HUMOR EM TIRAS
Texto de agosto de 1999
A tirinha do Katteca é parada obrigatória para quem lê o
jornal O Popular, de Goiânia-GO. O cartunista João Luiz Brito de oliveira, o
Britvs, produz uma crítica afiada, marcada pelo bom humor e irreverência. Após
26 anos nas páginas de O Popular, Britvs quer levar o indiozinho Katteca para
outras mídias. Para tanto, planeja o lançamento de um livro e de uma revista
com os melhores momentos da personagem. Clique acima e descubra as trajetórias
do Katteca e de seu criador.
O porta-voz do bom humor
Katteca, o indiozinho aculturado da sátira irreverente de
João Luiz Brito de Oliveira, o Britvs,
ganha coletânea dos melhores momentos e vai virar livro
Por Luís Cláudio Guedes Oliveira
O bom humor, a crítica afiadíssima e a irreverência fazem da
personagem Katteca uma referência obrigatória na leitura diária do jornal O
Popular, editado pelo grupo J. Câmara e Irmãos S.A, de Goiânia. O índio
simpático, criado pelo cartunista João Luiz Brito de Oliveira, um maranhense da
cidade de Pastos Bons, já é parte integrante do jornalismo goiano. Katteca
estreou em O Popular em junho de 1973 para, em pouco tempo, cair nas graças do
público leitor.
João Luiz ou Britvs (assim mesmo na forma latinizada do
alfabeto romano, devido a uma paixão antiga pelo gaulês Asterix, outra
personagem que avança no tempo), ou simplesmente Katteca, que é como ele
prefere ser chamado, está trabalhando atualmente no projeto da edição de um
livro e de uma revista que vai trazer o melhor da sua produção ao longo dos
últimos 26 anos. O livro, que deveria ter saído em junho do ano passado, mês do
aniversário de 25 anos do Katteca, reúne
80 cartuns da personagem e conta com prefácio e comentários de quatro
jornalistas, atuais e ex-companheiros de redação. Isanulfo Cordeiro, Domiciano
de Faria e Reynaldo Rocha, de O Popular, e Jávier Godinho, do Diário da Manhã,
participam desta homenagem.
Dificuldades com patrocinadores adiaram lançamento do livro.
Agora, existe uma promessa do governo do Estado de Goiás, através do Consórcio
de Empresas de Radiodifusão e Notícias do Estado, o Cerne (atualmente Agência
Brasil Central), de bancar a impressão de O Melhor do Katteca - 26 anos
de Pura Irreverência, nome desta edição comemorativa. Entusiasmado com a
possibilidade de expansão do seu trabalho, Britvs está buscando novas parcerias
para editar três edições de uma revista, ainda sem nome definido, com as
melhores tirinhas da personagem. Cada número desta publicação terá 70 cartuns e
um texto de apresentação do trabalho do cartunista. Britvs não pára, uma de
suas próximas empreitadas será a criação de uma home page para o Katteca.
Irreverência on-line e sem fronteiras.
Esquinas da vida
O jornalista e editor-executivo de O Popular, Isanulfo Cordeiro, autor do
prefácio do livro, conta que Britvs iniciou sua carreira de desenhista quando
ainda trabalhava na banca de revistas situada na esquina da Rua 2 com a Avenida
Goiás, no centro de Goiânia, hoje conhecida como banca do Itaú. “Sempre que
tinha uma novidade na banca, o Katteca usava de uma estratégia interessante
para contar isto para as pessoas: ele desenhava numa cartolina um bonequinho
anunciando a chegada da revista tal. Esse bonequinho foi o protótipo do
Katteca”, diz Isanulfo.
Relembrando esta época, Britvs diz que os cartazes eram
afixados na lateral da banca para atrair a atenção dos transeuntes. “As pessoas
paravam, ficavam olhando e diziam: ‘rapaz, por que tu não coloca isto no
jornal’. Depois surgiu o jornal O Pasquim e aquilo me influenciou muito,
principalmente os desenhos do Henfil”, ele recorda.
Katteca é hoje um indiscutível sucesso de público. A tirinha
que retrata as peripécias do indiozinho aculturado é uma das seções mais lidas
do jornal. “O quadrinho do Katteca tem uma penetração imensa. Nas pesquisas que
realizamos sobre as seções preferidas dos leitores, invariavelmente, a tirinha
dele é a que recebe o maior número de indicações”, informa Isanulfo.
A personagem mostra uma deliciosa sátira ao realizar a
crítica de costumes e as denúncias social e política do Estado de Goiás. A crítica é, sem dúvida, uma
característica marcante no trabalho do nordestino Britvs. Na opinião do
jornalista Reynaldo Rocha, esta percepção aguda do criador do Katteca foi
adquirida durante a observação diária daquela “janela privilegiada” que foi, e
continua sendo, a esquina da Rua Dois com a Avenida Goiás. Isanulfo corrobora
esta tese. “O Katteca é um arguto observador da cena goianiense”
Batismo
A chegada dos dois Kattecas , o
criador e a criatura em O Popular, guarda algumas controvérsias. Segundo
Isanulfo, o responsável pelo surgimento da personagem teria sido o também
jornalista Jávier Godinho, então chefe de redação de O Popular, e atualmente no
Diário da Manhã. Jávier passava com freqüência pela banca do Itaú e sempre se
detinha para apreciar os desenhos na cartolina. Certa feita, faltou um
ilustrador na redação e Jávier atravessou a rua (o jornal nesta época ainda
ficava na Avenida Goiás) e chamou o Britvs para suprir esta ausência.
Britvs, entretanto, tem outra versão. Influenciado pelo
trabalho do Henfil no O Pasquim, foi ele quem teria cruzado a Goiás em busca de
uma oportunidade. “O meu desenho era feio, esquisito mesmo, então eles olhavam
e diziam assim: ‘não, volta
depois!’. Um dia eu pensei: gente, para
por meus desenhos no jornal, eu preciso trabalhar lá!”. O primeiro trabalho de
Britvs, contudo, foi publicado pelo extinto jornal Cinco de Março. Não era
ainda o Katteca, apenas ilustrações sem uma identidade definida. O Katteca, no
formato atual, foi uma imposição do jornalista Domiciano de Faria. Britvs diz
que para publicá-lo em O Popular, Faria exigiu que aquele “bonequinho” de pena
e tanga tivesse ao menos um nome.
Katteca, o cartunista, se diz um apaixonado pela história da
catequização do índio brasileiro pelos padres jesuítas. O nome da personagem
vem da fusão dos sons das palavras catequese e carateca - artes marciais é
outro hobby dele. Originalmente, o indiozinho trazia uma garrafa de cachaça
pendurada na cintura, presa por uma imbira. O autor diz que este era uma
espécie de protesto pictórico contra a
civilização do homem branco que provoca a destruição da cultura indígena.
Acontece que o Katteca veio às tiras na fase mais complexa da ditadura militar
e a Funai (ou o órgão equivalente) tanto implicou que a garrafa da “branquinha”
foi suprimida da já restrita indumentária do Katteca.
No meio do povo
A personagem vai assumindo, ao longo do tempo, outras facetas. Atualmente,
as mais comuns são o repórter e o garçon, sempre acompanhado pelos
indefectíveis microfone e a bandeja de bar. Mas o Katteca é também o homem do
povo, o usuário dos serviços públicos, o marido que sofre com os humores da
patroa, o cidadão comum em sua rotina de dificuldades. Ele é o anti-herói por
excelência e as suas reivindicações são também reivindicações do leitor do
jornal.
“Ele tem um faro excepcional para as coisas do dia-a-dia e
este é o sentido do seu humor. O Katteca sabe pinçar um fato corriqueiro e
transformar aquilo numa espécie de reportagem do cotidiano”, atesta Isanulfo.
Para o chargista Jorge Braga, também de O Popular, a simplicidade da linguagem
do Katteca é o “grande lance” do seu sucesso. “Às vezes a pessoa tem que estar
muito bem informada para entender uma charge como a minha. O Katteca não, ele
pega o dia-a-dia e joga tudo ali mastigadinho, do jeito que o povão entende”.
A tirinha do Katteca assume a instância de uma quase tribuna
popular. Nela, o leitor se sente intimamente vingado das injustiças das quais é
vitima. Britvs revela que a leitura dos jornais, o noticiário da TV e do rádio
e, sobretudo, o contato direto com o povo nas ruas, são os mananciais dos quais
ele se vale na busca da inspiração que vai detonar o processo criativo. “Eu
ando a pé, de ônibus e fico vendo o
sofrimento do povo. Vou ao Detran, vou a Prefeitura e fico ali na fila sentindo
na pele os problemas que o povo enfrenta, ai me dá o estalo para criar o
desenho”. Das ruas vêm também as inúmeras sugestões para que as chamadas
“piadas de salão” sejam protagonizadas pelo Katteca: é o sucesso do medicamento
viagra entre os velhinhos, são as agruras do funcionário público e o seu mínimo
salário, é o custo de vida, a crítica dos costumes, coisas assim.
“Desenhar florzinhas”
Cáustica como é, a crítica de Britvs também suscita reações que não são
exatamente bons exemplos de senso de humor. Numa de suas tirinhas, há alguns
anos, ele deixou subentendido que os diabéticos
podem padecer com problemas de disfunção erétil. Deu um qüiproquó
danado. A presidente da Associação dos Diabéticos de Goiás, que ele nem sabia
da existência, promoveu uma veemente campanha em torno do assunto e o jornal
acabou recebendo algumas dezenas de cartas-protesto.
“Certa feita eu fiz uma piada com o Santillo (Henrique
Santillo, ex-ministro da República, ex-governador e ex-secretário da Saúde do
Estado de Goiás) e acabei levando 15 dias de gancho (suspensão no trabalho).
Este acontecimento me deixou muito chateado, pensei até mesmo em parar de fazer
o Katteca. Eu disse assim: ‘vou vender côco na Bahia que eu ganho mais’. Rapaz,
a repercussão foi tão grande, com os leitores se manifestando, que eu tive que
voltar. Eu me senti valorizado”, ele diz. Hoje, afirma Britvs, a liberdade
é total. “Eu falo mal até do patrão”,
resume. O autor das tirinhas mais lidas no Centro-Oeste também é dado a tiradas.
Noutra ocasião, quando o patriarca Jaime Câmara ainda era
vivo, Britvs fez uma piada com o general Golbery do Couto e Silva, uma figura
de peso nos bastidores do período da ditadura militar. O velho Câmara rezava
pela cartilha da Arena, o então partido do Governo, e Britvs não conseguiu, por
mais que tentasse evitar, o encontro com o patrão para o necessário corretivo.
Ele se diverte contando a bronca que levou: “Rapaz, o homem ficou bravo. Ele me
chamava de ‘Seu Caneca’. Aí ele me chamou lá no escritório e falou: ‘Seu
Caneca, eu já falei pro senhor que é pro senhor desenhar é borboletinha, é
florzinha, é coisa prá minino (capricha
na entonação) seu Caneca. O senhor não entende nada de política, seu Caneca’.
Foi desse jeito”. Incorrigível, ele atenuava por uns dias a sua verve crítica
para, pouco tempo depois, cutucar outros vespeiros.
Olhar cirúrgico
Até de racismo o Katteca já foi acusado, tudo fruto desta
irresponsabilidade ingênua de que o Britvs parece ser um portador congênito.
“Já tive um início de processo por racismo, mas a (empresa) Jaime Câmara entrou
pelo meio e a coisa não caminhou. Era uma piada do sujeito de cor negra que
passeava pelo zoológico levando uma criança pela mão. Ao se aproximar da jaula
do gorila, este o chama e diz: ‘Ô negão, me dá aí o telefone do seu advogado
que eu também, quero sair daqui’. Esse
negócio deu rolo”, ele conta. Mais politicamente incorreto impossível. O fato é
que o presidente de uma destas entidades que lutam em favor da consciência
negra era também advogado e não gostou nada do tom jocoso da tirinha. Britvs
diz que não costuma passar recibo, afinal, tudo não passa de brincadeira sem a
menor intenção de atingir quem quer que seja.
A capacidade de síntese que o Katteca, novamente o artista,
consegue imprimir ao seu trabalho é resultado da sua experiência como repórter
fotográfico em O Popular. Quando ele cismou que precisava de um emprego na
empresa dos Câmara para ver o seu desenho publicado em um jornal, procurou
aprender, sempre como auto-didata, os segredos da fotografia. O jornalista
Isanulfo tem mais uma definição precisa para este “olhar privilegiado” que o
Britvs tem do mundo que o cerca. “Quando aprendeu a manusear a objetiva, ele
conseguiu captar o ângulo exato que o leitor deseja ver sobre um determinado
acontecimento”. Na mosca.
O Katteca tem uma precisão cirúrgica para apreender e tornar
engraçado o objeto da denúncia social. “É comum as pessoas me perguntarem como
é que consigo botar tanta coisa dentro daqueles quadrinhos”, revela Britvs.
“Noutras vezes, o leitor tem uma interpretação totalmente diferente da minha e
cria coisas novas em cima do desenho”.
A grife do índio
Britvs afirma que vive atualmente exclusivamente da renda que a sua
personagem proporciona. Ele lastima as propostas que já recusou sob o pretexto
de não descaracterizar a imagem do Katteca. “Eu era muito bobo. Hoje não, hoje
o Katteca é inteiramente comercial”, ele informa. Jávier Godinho, o primeiro
chefe de Britvs, entrega que o ex-colega peca pela falta de perseverança.
“Olha, ele já foi dono de um depósito de material de construção, de uma
academia de ginástica, uma serigrafia, e mais recentemente, fiquei sabendo que
ele estava transportando turistas para Caldas Novas e região do rio Araguaia.
Ele é assim, começa um projeto e daqui a pouco larga tudo. Ele é meio maluco,
mas tem um talento fora do comum. Às vezes, nem uma página inteira consegue
contar o que ele sintetiza em dois ou três quadrinhos”.
Para o criador do Katteca, a verdade é que “ser patrão é
muito difícil no Brasil, com esse negócio de um plano econômico atrás do
outro”. Apesar das tentativas frustradas como pequeno empresário, Britvs não
desiste. Outro projeto que ele está articulando é a grife do Katteca. A idéia é
criar camisetas promocionais tendo o indiozinho como tema e vendê-las em regime
de exclusividade numa das lojas de Goiânia. “Dessas de Shopping Center”, ele
sonha.
A produção, ele diz será terceirizada. Afinal, ser
empresário é muito arriscado. Uma iniciativa que já está dando retorno é a
cessão da marca Katteca para alavancar a venda de alguns produtos ou auxiliar
na divulgação de eventos. Britvs tem outros planos, dentre eles, passar uma
temporada nas praias do Nordeste, de onde enviaria a tirinha via Internet, e
vender a sua criação para outros jornais de outros estados do Brasil.
Katecca agora é busines.
“Jesus, amado!”
“Eu nunca pensei em ganhar dinheiro. Todo artista é meio doido, não dá
valor ao dinheiro e com isso eu perdi tempo e boas oportunidades”, ele diz.
Britvs conta que o despertar aconteceu com a chegada da adolescência das suas
três filhas e a necessidade de lhes dar uma boa educação. A primeira delas, uma
simpática morena, revela durante a entrevista sua intenção de prestar vestibular
para o curso de Jornalismo e recebe do pai um olhar cético. “Jornalista ganha
muito pouco, minha filha”, ele diz com ar reflexivo.
Britvs viveu em Goiás 40 dos
48 anos de sua vida (atualizando o texto para 2023: 63 dos 71 anos de
vida). O porte meio atarracado e o impagável bordão “rapaz!”, que os muitos
anos de contato com a goianidade não conseguiram extinguir, dão ao criador do
Katteca um jeito meio bonachão. Basta meia hora de conversa com este senhor de
cabelos já um tanto grisalhados para ter-se a impressão de que já o conhecemos
há pelo menos uma eternidade.
Na saída, a senhora Brito gentilmente me oferece uma xícara com café e, por todos os “Jesus, amado!” que o Katteca já pronunciou, é impossível não relacionar aquela mulher tão prestativa com a adorável Karmita, companheira e freio de mão dos excessos do nosso herói. A vida imita a arte? Quando ligo para o Jávier Godinho e tento explicar que estou trabalhando numa reportagem sobre o Katteca, ele atropela a minha apresentação e dispara: “O João Luiz de Brito é o Katteca, o Katteca é o João Luiz de Brito”. Fiquei entendido.
João Luiz Brito Oliveira Britvs Katteca Obituário Luís Cláudio Guedes Cartum Cartunista