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Foto: UFG

Em fevereiro de 2017, documentos revelaram, pela primeira vez com detalhes, a participação de Selma Sena na luta contra a ditadura, período em que foi presa e torturada

Morte de Selma Sena deixa o Brasil ainda mais pobre

01/08/2019, às 15:15 · Por Eduardo Horacio

Um Brasil que despreza cada vez mais a intelectualidade está ainda mais pobre sem a professora Custódia Selma Sena, que morreu na madrugada de 31 de julho, vítima de uma doença degenerativa, aos 68 anos. Ela nasceu Caratinga (MG) e foi enterrada em Brasília (DF), nesta manhã de 1º de agosto. Selma formou-se em Antropologia Social pela UnB e passou no concurso para ser professora universitária no antigo ICHL da Universidade Federal de Goiás (UFG), em 1989.

Intelectual brilhante, professora carismática, Selma sempre foi muito respeitada no meio antropológico. Contribuiu decisivamente para a formação de muitas gerações de cientistas sociais e jornalistas, especialmente quando lecionou, por anos, nos cursos de comunicação da UFG – onde este que escreve foi seu aluno. Um colega de faculdade, Filemon Pereira, tinha uma definição perfeita: “ela acabava com aquela mentalidade de aluno de ensino médio”. Como as aulas da Selma na Facomb (hoje FIC) da UFG eram sempre no primeiro semestre, o impacto era grande e mostrava, de imediato, o outro patamar intelectual do mundo universitário. Selma descontruía, com sabedoria, deboche e simplicidade, os conceitos e preconceitos de cada um, desde o etnocentrismo até as ideias de instinto e raça.

Selma foi uma das fundadoras do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFG e coautora da curadoria da exposição permanente do Museu Antropológico, “Lavras e Louvores”, que instigou uma reflexão densa sobre a noção de sertão e sua importância na identidade regional e nacional. Sempre pesquisou muito regionalismos, sertão, exclusão social e cultura brasileira. Divorciada, foi casada com o professor Orlando Amaral, que foi reitor da UFG entre 2014 e 2017, e deixa dois filhos.

Tortura
Em fevereiro de 2017, documentos revelaram, pela primeira vez com detalhes, a participação de Selma Sena na luta contra a ditadura, período em que foi presa e torturada. Ela fez parte de uma das células de grupos de esquerda que lutavam contra a ditadura militar no Brasil. Em 1973, ela e outras 19 pessoas (entre elas, a jornalista Miriam Leitão) foram presas em Brasília, no Plano Piloto, sob a acusação de integrar o chamado Grupo Caratinga (que levava o nome da cidade onde Selma e outros seis integrantes nasceram, no interior de Minas). Encarcerados em unidades policiais diferentes, Selma, Miriam e outras 18 pessoas foram torturadas, revelam os documentos do próprio Exército.

De autoria do Exército, o dossiê confidencial faz parte do acervo de documentos da SSP-DF que teve o sigilo quebrado no início de 2017. Os suspeitos foram levados à carceragem da Superintendência da PF, em Brasília, com registros de sete integrantes da cúpula: Selma Sena, Gustavo do Vale, José Lourenço Cindra, Maria das Graças de Sena, Miriam Leitão, Romário César Schettino e Valtair Almeida. Presa por ser filiada ao PC do B e por resistir à ditadura, Miriam revelou as torturas sofridas em 2014 ao jornalista Alberto Dines, no Observatório da Imprensa. Foi torturada com apenas 19 anos. Estava grávida e ficou trancada num quarto com uma cobra ameaçando-a. Perdeu 11 quilos.

Os integrantes acabaram sendo todos presos por militares em Caratinga, em Vitória (ES) e em Brasília. E quem acompanhava os integrantes, por acidente, também acabou detido por semanas, sem acusação formal e sem a família sequer ser comunicada.


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